Destaque de Tiago Santos
“Nós pretendíamos lhe chamar jazz espiritual, mas Phil Ranelin disse-nos para lhe chamarmos antes musica classica negra”.
É desta forma que Madlib e Kariem Riggins apresentam o há muito aguardado disco colaborativo entre os dois músicos, que para além do respeito mútuo evidenciado neste projecto, é de verdadeira arte que se trata num disco que aborda uma vez mais o lado mais jazz do mestre do hip hop Madlib.
A citação de Phil Ranelin não é inocente, antes uma medalha usada com orgulho e ao mesmo tempo uma orientação para o que se pode esperar deste disco tardio da produção de 2020. Phil Ranelin, trombonista e co-fundador da histórica editora Tribe Records de Detroit, é para além de uma figura essencial da música da Motor City, um dos “jovens leões” que na década de 70 incendiou a consciência negra com a vanguarda do free jazz e do pós-bop. E é nesse caldo de cultura que Jahari Massamba Unit nos faz mergulhar, nesse universo onde a liberdade, a espiritualidade e a consciência social e política se cruzam para agitar as mentes.
A exigência de Jahari Massamba Unit é apenas aparente. Impregnado desse espirito que varreu o planeta jazz desde as décadas de 60 e 70, ele não deseja ser ouvido como um disco inofensivo para entreter as vidas mundanas de quem passa pela música como a chuva pela areia. Não, este é um disco que grita liberdade e a afirma com todas as palavras, ainda que peça perdão pelo francês usado. Mas as suas referências, a genialidade da construção e a visão que transporta, estão assentes em alguns dos mais brilhantes momentos da história do jazz da segunda metade do século XX, onde espiritualidade, paz e felicidade rimam com combate e afirmação. É de arte que se trata, da que nos convoca, desperta e inquieta, mas que nas mãos e mentes dos iluminados Madlib e Karriem Riggins, bem como dos diversos estudantes de música de todo o mundo que aqui participam, aqui se transformam num dos grandes discos dos anos mais recentes do planeta jazz.