Quase não há mulheres na "História do Hip-Hop Tuga", mas não é isso que a história diz.
É já logo à noite que se celebra a “História do Hip-Hop Tuga” com uma atuação que vai reunir vários nomes do presente e do passado do hip-hop nacional na Altice Arena. Contudo, na data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, entre as quase quatro dezenas de artistas confirmados, só haverá uma mulher em palco: Capicua. Isto não obstante o facto de várias mulheres terem sido igualmente pioneiras e parte integrante do estabelecimento do movimento em Portugal desde o seu início.
Conversámos com Soraia Simões, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora dos projetos Mural Sonoro e “RAPortugal 1986-1999” sobre a continuidade histórica do apagamento da mulher na narrativa do hip-hop português.
Conforme a investigadora explicita numa carta aberta em protesto contra “a hegemonia masculina num dia dedicado ao feminino“, são várias as intervenientes que parecem ter ficado esquecidas. Nomes como as Red Chikas, as Divine e as pioneiras na edição discográfica de hip-hop no feminino Djamal, entre outras, deveriam ter espaço numa representação fidedigna do passado do hip-hop em Portugal. Numa cronologia mais recente, outra pioneira discográfica, Dama Bete, a primeira rapper nacional a editar a solo por uma editora major, ou a luso-angolana Eva Rap Diva ficaram de fora.
Este eclipse total da mulher negra e quase total da mulher, num palco que se propõe a celebrar o género musical na sua totalidade, acaba por ser reflexo da não-inscrição da narrativa da mulher rapper no espaço do hip-hop nacional. Apesar do rap feminino abordar de forma explícita questões como o sexismo, a falta de representatividade da mulher e, até, a violência doméstica, estas vozes acabam por ser abafadas ao serem afastadas do discurso público que subsiste à volta do género. Um fenónemo que, segundo a historiadora, é transnacional e reflete-se, também, ao nível da investigação, uma vez que o discurso feminino no hip-hop, sobretudo o veiculado por afro-descendentes tem sido pouco estudado.
O trabalho de Soraia Simões pode ser lido em maior profundidade no site Mural Sonoro.
João Barros
Imagem: Soraia Simões com as Djamal; gentilmente cedida pela investigadora.